terça-feira, 23 de outubro de 2012

Maintenant

(O que eu acho é que o mundo precisa de pessoas apaixonadas. Por elas mesmas.) Fernanda Mello
Sempre fui essa pessoa que põe TODA a energia em algo/alguém de uma só vez: me enfraqueço pelo excesso e canso os outros pela dose exagerada.
Fiz grandes planos pra mim e eles foram diminuindo porque me "gastei" demais com um ou dois assuntos que ocuparam meu tempo e coração.
Um amor mal-sucedido aqui, um parente ou amigo infeliz e reclamão acolá... E pronto! Lá se foram meus meticulosos cálculos de fazer aquela viagem sozinha ou de vinho-cinema uma vez por semana.
Nos últimos três anos eu me vi basicamente em três cansativas e repetitivas situações: 1. Um relacionamento que me fez muito feliz e depois muito triste. 2. Um problema alheio sem nenhuma ligação comigo que me exigia e sugava toda luz vital. 3. E um desejo preocupado de me consumir desesperadamente para fazer minha carreira decolar.
De tanto ouvir a mesma toada, cheguei aos 25 anos me sentindo uma velha cansada. Não escrevo mais no meu blog, não falo mais ao telefone com meus amigos preferidos, não tenho mais "quartas de beleza", nem passo aquele bom tempo só com meus livros e meus pensamentos.
Tenho me visto numa roda de expectativas incessantes, numa busca desenfreada de "resolver a vida" como se em algum momento algum de nós pudesse resolver 100% de tudo.
De tanto tanto tentar muito, resolvi que vou ter um período sabático como a Liz Gilbert do "Comer, Rezar e Amar", e não tentarei nada, absolutamente nada que não seja exclusivamente relacionado à meus belos e grandes planos individuais.
 Não darei minha constante presença nem meus "sábios" conselhos à ninguém que não tenha relativa importância em minha história pessoal.
Lerei meus livros, comerei o que gosto, tomarei meus vinhos, farei minhas viagens, sem me culpar e preocupar com quanto tempo estou "perdendo", quantas calorias estou ingerindo e quanto dinheiro estou ganhando e gastando.
Cheguei ao final de 2012 com uma realização profissional razoável e um "Atestado de Coragem" de dar inveja á muita moça da minha idade, mas também cheguei extremamente desgastada de ter doado meu afeto e cuidado à situações e pessoas que não me "cuidavam" com o mesmo apreço.
Tirar mais fotos, conhecer mais gente, ir mais longe.
Fazer mais listas, organizar a casa, doar meus excessos, planejar as férias.
Um curso de gastronomia, a carteira de motorista, vencer o medo de ir para fora do país sozinha, estudar francês.
Aprender a dizer "não", ter coragem de dizer o que estou sentindo, assumir que não gosto de baladas e prefiro gente que conversa.
Ser egoísta sim, ser solitária sim. Para salvar-se. Para salvar a alma de se perder de vez.
Não é que a vida esteja ruim, é só que ela pode ser melhor. Como aquele comercial da tv, é bonita, mas a vida pode ser linda.
E pode começar agora.

terça-feira, 13 de março de 2012

Ela passou duas noites inteiras chorando e pensando em uma forma de morrer que não desse muito trabalho nem fizesse muita gente sofrer. Uma morte sem sujeira ou que parecesse um acidente para que seus pais e seus amigos não se culpassem pensando que não lhe deram amor e atenção suficientes.
Morrer parecia doce se ela pensasse que alguém do outro lado a esperava com abraços de conforto. O ruim era só que, havia, certamente, a possibilidade de que não houvesse nada do outro lado. Daí era horrível pensar no vazio, no escuro, no nada. Fechar os olhos e ao invés do tal túnel de luz encontrar o nada.
Ah ela era vaidosa demais pra deixar de existir, um mundo (material ou espiritual) sem ela era inconcebível. A idéia de morrer era péssima, mas a de continuar na agonia era pior ainda.
Nos últimos doze meses a vida tinha sido de cão. Cães danados. Dor, perdas, sofrimento, frustrações, humilhações, fracassos, derrotas. Era coisa demais para aquele pobre coração.
E ela chorou e sofreu e se lamentou e brigou com Deus. E se sentiu inferior, e se fez de vítima e ficou carente. E sentiu desespero e desânimo e impotência. E quis desistir.
E pensou muito em uma forma de abandonar tudo, mas o caso é que sempre depois de duas, três, quatro horas seguidas de choro chegavam umas idéias. E ela colocava "Open your eyes" do Snow Patrol pra tocar e se imaginava andando na rua com um ar de vitoriosa, de sobrevivente. E imaginava o sucesso profissional batendo à porta e ela desfrutando o gosto dulcissímo da glória.
E a sensação de benção que chegaria quando a vida, que agora só lhe trazia surpresas ruins, começasse à jogar à seu favor. Pensava nos muitos pratos que faria pros amigos, nos mapas astrais, nas viagens, nas lindas fotos dela mesma.
Chorou duas noites seguidas e decidiu que não tinha vocação praquilo. Não importava qual notícia ruim pudesse chegar nos próximos dias, a partir de agora ela iria assumir sua alma espartana pra valer.
Se os céus estavam lhe mandando o pior da vida, ela iria contrariar e oferecer o melhor dela.
A desesperança não combinava com ela. Ás vezes, até tentava vestir aquela personagem cheia de angústia e mágoa, mas durava pouco. Ela tinha energia demais, esperança demais, paixão demais.
Tentaria todas as possibilidades, todos os caminhos, todas as opções.
Não tinha jeito, a sorte se veria obrigada a voltar a jogar no seu time.
O azar não era páreo pra ela.
Então ela se levantou cheia das suas idéias pós-choro, toda orgulhosa de si mesma e sem nenhuma modéstia. E seu anjo da guarda deu um suspiro de cansaço e alívio: finalmente sua protegida voltara ao estado normal. Depois, o compreensivo anjo sentiu pena do Diabo: ele insistia sempre mas não havia jeito, a menina era uma das preferidas da Virgem.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Despedida - Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Outra vez.

Esta carta está voltando pro blog porque aprendi com Vinícius de Moraes, no Para uma menina com uma flor (que é a crônica que mais gosto na vida) que "eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive". E é isso que eu sou: uma Ana que é a soma de todas as histórias bonitas e tristes que já vivi. Ainda que essas histórias percam a importância com a sequência dos dias, meses e anos, eu sou muito grata à cada uma delas. Elas me lembram que estou viva, que sou humana, e que, como dizia Paulo Leminsk, "Amor é matéria-prima que o tempo se encarrega de transformar em raiva ou em rima".
Que os meus sempre se transformem em rima. É o que desejo.


"Agora que a raiva passou vim te dizer umas coisas que vão mexer muito com você, eu sei.
Primeiro que não acho que você é um merda, um idiota, "que nunca me amou" como estão dizendo agora. Pelo contrário, para você ter atraído uma mulher de valor e com tantas qualidades como eu, você só pode ser um homem de valor também.
Como namorado tem muitos defeitos: exagera na bebida, fidelidade não é seu forte, e apesar dos 30 anos que tem, é inconstante e influenciável demais. Em contrapartida, como homem você é de ouro: é honesto e generoso, seu irmão é seu fã, seus amigos te adoram e você tem os olhos verdes mais bonitos que já vi.
Desejo muito que você trilhe um caminho feliz, abençoado e sem grandes dores, porque o mesmo que sonho pra mim, sonho também pra você.
Não pense que eu não me importei quando você se foi, e não foi por orgulho nem por falta de amor que eu nunca mais te liguei. Eu te amei muito, tanto que preferi te ver ir embora à que você ficasse do meu lado infeliz.
Sou uma mulher rara de se encontrar por aí, muitos homens esperam a vida toda por alguém como eu, mas apesar de todas as minhas virtudes, eu tenho graves defeitos que um dia, cedo ou tarde, vão aparecer.
Eu tive afeto suficiente para tolerar muitos dos seus, você não pôde tolerar o maior dos meus: o ciúme.
Eu nunca quis te magoar, sei que te magoei e espero que você me perdoe por isso.
Agora, eu também preciso ir, pra abraçar o novo amor que me chega, porque amor é isso também, renovação.
E sim, mesmo que às vezes não parecesse, eu fui muito feliz ao seu lado.
E não, eu nunca vou me esquecer dos seus olhos."

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O nada que me rouba tudo.

Queria me concentrar no trabalho mas estou com inveja do basset ruivo do conto de Clarice Lispector. Eu não consigo ser o basset que é forte e que segue sem olhar pra trás. Eu sempre sou a menina. A menina na calçada que não consegue desviar o olhar daquilo que julgou ser sua outra metade no mundo.
Preciso escrever quando me sinto assim vazia, quando não sei responder o que me falta e ao mesmo tempo murmuro sem parar que me falta tudo. Não é minha descrença em Deus repentina, não é a falta de grana, nem a rejeição amorosa. Na verdade agora, estou vazia porque não vejo sentido na busca por essas coisas. Quais meus planos pra dinheiro? Quais meus planos pra minha carreira? Quais meus planos pro meu relacionamento?
Acordei uma menina sem planos. Acordei vazia de esperança, e pode haver uma coisa mais dura que isso? Viver dias ausentes de esperanças?
É acordar com essa sede, essa secura e não achar remédio pra ela. Me irrita o fato de que agora eu não saiba responder o que exatamente estou esperando. Porque nem ao menos sei dizer se dentro do meu coração existe agora alguma espera. Estou como a menina ruiva do conto: sentada na calçada, amargando o incômodo do sol à pino e vendo uma parte de mim ir embora. Uma parte que admite me pertencer, mas que me julga demasiadamente fraca para querer ficar.

domingo, 27 de novembro de 2011

Dois ou tres almocos, uns silencios...

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso - aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

Caio Fernando Abreu

(Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

29/10/2011


Na verdade eu não vim dar parabéns. Vou aproveitar que é aniversário de vocês e dizer umas coisas que penso sempre e que não falo nunca.
Acho incrível olhar pra nós três e ver no que nos tornamos. Não porque individualmente nós sejamos algo muito bom, mas juntos nós somos uma coisa inexplicavelmente bonita: nós somos o fruto da história de amor dos nossos pais.
Nós três somos a prova de que uma família não precisa de dinheiro para ser construída. Nunca fomos à Disney. Nunca tivemos as Barbies mais caras, Bruna. E nem você Marcelo, teve os video-games de última geração. Mas já pararam pra pensar em como nós fomos felizes? Tivemos a graça de conviver tão próximos com nossos avós, brincamos tanto, banhos de rio, carreira de vaca, balanço no engenho, bolinho de barro, bola na rua, dezenas de primos, comida boa...
Hoje olho pra nós e me pergunto como aquele caminhoneiro e aquela cantineira de escola pública, que moravam num vilarejo de 1.000 habitantes, conseguiram criar três filhos assim: bonitos, saudáveis, bem-educados, cultos, inteligentes, dignos, honestos, cheios de princípios e bons valores.
Maior do que o cada um de nós é, bem maior é o que nós representamos juntos. Um dia, quando o pai e a mãe não estiverem mais aqui, nós seremos a lembrança viva dos grandes vitoriosos que eles foram. Nós seremos o produto de todos os esforços e sacríficios que eles fizeram, e só nós três, ninguém mais nesse mundo além de nós três, pode mensurar o tamanho deste sacríficio.
Não, nunca tivemos muito dinheiro, nossa vida continua simples, nossos pais continuam humildes, mas nunca, nunca mesmo, nos faltou amor. Tivemos tudo o que precisávamos, aliás, tivemos até mais, porque viemos a este mundo com o privilégio de ter os dois melhores exemplos de vida.
Eu fico orgulhosa de nós duas Bruna, porque descartamos todos os namorados que não valorizaram isso. Se um homem não gostar dos nossos pais, se não gostar da nossa casa, se não gostar de Tipiti, ele não serve pra nós. E eu sei Marcelo, que você fará o mesmo.
Eu sei que nada do que tivemos, temos ou teremos foi alcançado por um dos três apenas. Todas as conquistas, todas as celebrações, todos os méritos, vieram por conta daquilo que aprendemos e recebemos do pai e da mãe.
Podemos sim, os três, nos orgulhar e muito do que somos hoje, porque somos o resultado do trabalho deles.
Nada nem ninguém nos tirará isso.
Reconheço que não tenho feito o quanto posso, e que no meu grande desejo de sucesso profissional e conforto material tenho me afastado muito de vocês dois. Mas não é por desafeto. É que eu acho, talvez porque eu tenha sido a filha que deu mais trabalho (emocionalmente falando), que a grande obrigação material deve ser minha. Eu devo ser a responsável por uma vida financeira mais tranquila pra eles. Você Bruna, já tem o Felipe, e você Marcelo, é e sempre será o caçula.
Eu sei que eu fico por aqui, que eu quase não vou, que eu quase não ligo, que eu quase não digo, beijo e abraço pouco. Mas eu nunca, nunca vou deixar vocês. Eu faria qualquer coisa por vocês. Eu daria a minha vida por qualquer um de vocês. Eu amo vocês.
Feliz Aniversário.